18 de agosto de 2011

Toxicity

Uma vez enquanto bebia uma cerveja, uma garota veio até mim perguntando que horas eram. Eu respondi que não fazia ideia que horas eram. Parecia noite, não tinha certeza, passei o dia inteiro no bar... Como se realmente importasse pra mim dar uma resposta exata a ela, quanto mais a mim mesmo além. O tempo nem existe.
- Não sei.
- Ah, obrigado. Você vem sempre aqui?
- Você está tentando ter algum tipo de conversação comigo?
- Não é educado responder com outra pergunta.
- Foda-se, some da minha frente.
- Te vi ali apoiado na mesa, quis conversar com você. Não me importa se você me acha interessante também, só queria ouvir o que você tem a dizer.
- O que eu tenho a dizer? Pss... Já vi que você é teimosa. Eu estou aqui bebendo minha cerveja quieto, você vem perguntar as horas sendo que não há nenhum relógio nos meus pulsos, é óbvio que eu não saberia te responder e não me interessaria nenhum pouco ser educado contigo. Você é do tipo que acredita em amor à primeira vista ou algo do tipo? Não sei porquê estou dizendo isso.
- Eu acredito que as pessoas têm sempre algo a dizer, mas não sabem. Quando olhou pra mim não me viu de verdade, seus olhos te enganam.

Chequei ela de cima a baixo. Loira, vestida com uma saia de couro e blusa branca, cheirava bem, tinha olheiras de quem toma muito remédio anti-depressivo. Estava de pé bem ali do meu lado sem esboçar nenhum movimento de acanhamento pela minha falta de educação ou pelo fato de eu estar rejeitando a investida dela.
Percebi que ela não estava olhando pro meu rosto, ela olhava apenas meu olho esquerdo como se fosse o único ponto do meu corpo que me qualificasse como um ser humano. Eu poderia simplesmente sair dali e procurar algo importante pra fazer, mas quis brincar um pouco com ela, pensei que talvez fosse divertido.
- Garota, eu não sei o seu nome e nem sei quem você é, estou começando a me interessar pelo real motivo de você querer conversar comigo.
- Não há real motivo, só estou aqui temporariamente, logo vou embora. Meu nome não lhe interessa de verdade e você nunca saberá quem eu sou, mesmo que viva anos comigo.
- Entendi. É algum tipo de joguinho que você joga com pessoas para que elas te deem atenção. Você é maluca.
Neste instante uma outra garota apareceu e segurou ela pelos ombros
- Venha Keith, pare de incomodar os outros. Senhor, ela está te incomodando?
Esbocei um sorriso enquanto ela me olhava. A íris dos olhos dela, verdes azulados cintilantes me hipnotizaram por trinta segundos ou mais, me senti como se estivesse convidado para uma orgia de centopéias voadoras. Segurei ela levemente pelo braço.
- Não, ela não está me incomodando, estamos apenas conversando.
- Então está bem. Keith, não vá muito longe.
A garota voltou pra onde estava, ela puxou uma cadeira e ficou sentada do meu lado, espererando que eu dissesse algo que ela queria.
- Garota.. Keith, seu nome? Olhe Keith, se você me disser o que você quer que eu diga, eu direi.
- Vai se foder cara, não importa o que eu quero que você diga, só diga algo que você realmente queira dizer. Já percebi que consegui despertar algum interesse em ti e peço para deixar esses detalhes de lado, se eu sou maluca ou não, qual meu nome, não importa. Sou apenas mais uma pessoa no meio de outras.
Me xingou sorrindo, falando como se tivesse intimidade comigo, como se me conhecesse, enquanto seus olhos continuavam fixos no meu olho, era um comportamento um pouco perturbador.
- Eu não sei o que dizer, estou me sentindo um pouco desconfortável e ao mesmo tempo confortável, você tem um corpo de garotinha tímida porém seu espírito é intimidador, tenho a impressão que vou descobrir algo que vai me surpreender muito em você e por desconhecer esse algo me sinto um pouco temeroso. As pessoas quando se conhecem primeiro compartilham detalhes sobre suas vidas para criar uma falsa impressão de segurança, para criarem laços afetivos que não duram muito tempo, do mesmo jeito que construir um castelo de areia onde as ondas batem, o castelo nunca é terminado. O sentido disso pra mim é desconhecido também, ainda sim me sinto mais confortável nessa hipocrisia. Você mora aqui por perto?
- Por que você se sente confortável? Sua vida pode terminar a qualquer momento, seu futuro é sempre incerto, depois da morte as pessoas vão continuar vivendo suas vidas ignorando que um dia você existiu.
- Sim, é verdade. Eu como qualquer outro, tenho medo de perder, por isso não me arrisco. Medo de que algum filho da puta venha e estrague tudo que eu conquistei, pois sei que ninguém dá valor ao que tenho senão eu mesmo, mas sei que por mais que me esforce, tudo pode ser tomado sem ao menos me darem satisfação. Sabendo disso me sinto mais confortável pois sei que os outros não irão arriscar perder o que conquistaram para destruir o que tenho.
- Existem pessoas nesse mundo que por terem renegado tudo que conquistaram, não tem nada a perder. Essas pessoas que te causam verdadeiro medo, pois são mais fortes que você.
Comecei a suar, olhei pras minhas mãos e elas tremiam, mesmo encostadas na garrafa de cerveja, fiquei quieto por alguns segundos e via de soslaio ela me encarando e sorrindo.
- Não posso discordar, e agora estou sem defesa. Você me fez enxergar algo que sempre tentei esconder, tentei provar pra mim mesmo que ninguém nunca mais iria me fazer chorar, que não abaixaria a cabeça pra ninguém. Pra isso acabei construindo uma fortaleza em volta de mim e me isolei de todos, perdi minha a fé na humanidade. Mas na real, eu não dou nenhuma importância pra isso, são todos uns ratos sujos, comendo queijo sujo e fornicando.

Saquei do meu bolso um maço e ofereci a ela um cigarro.
- Fuma?
Ela pegou o cigarro e colocou na boca esperando que eu acendesse pra ela. Acendi o meu, estendi o braço para acender o cigarro dela. Deu uma profunda e bela tragada e soprou para cima. Nesse instante ela tinha parado de me encarar.
- Você parece ser bem fudida também.
- Você acha? Hahaha
- Reparei nas suas olheiras.
- Isso não significa nada. Eu posso ter dormido mal ontem.
- Ou você é uma viciadinha em tarja preta que não entende o motivo da própria existência e tem pavor de pensar no quão inútil você é de verdade, e apesar de tentar banalizar esse pensamento da sua cabeça, nos momentos que está sozinha esses demônios te torturam.
- Talvez.
- Você é uma dependente dos seus pais, que te dão tudo que você quer, cocaína, festas, álcool, pagam seu táxi, menos atenção. Mesmo que você fique horas fora de casa sem dar satisfação eles não se importam com sua ausência. Com o tempo sua carência de atenção foi te estragando a ponto de se tornar insaciável. Seus amigos ali sentados na mesa no canto (apontei) estão saindo e nem notaram que você não está entre eles. Vai, se segue seu rumo. Foi um prazer te conhecer.

Ela segurou o ar quando eu disse isso. Estava ficando vermelha, seus olhos monótonos ficaram franzidos, e de repente soltou uma risada nervosa.
- Está certo, eu vou. Me dê seu telefone, quero falar contigo mais uma vez.
- Não tenho caneta.
Ela tirou uma caneta da bolsa e estendeu a mim, puxei a caneta e o braço dela, escrevi o número no pulso dela por cima de uma veia verde, ela abriu a boca e me olhou como se estivesse excitada. Deu um sorriso e foi.
Depois disso, terminei meu cigarro e minha cerveja e saí do bar. Olhei pro meu celular e vi as horas. Eram por volta de onze da noite de sábado.

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